Diante da atuação descontínua das políticas urbanas nos territórios periféricos, os grupos populares são impelidos a lidar com a precariedade e a insuficiência de recursos materiais, econômicos e tecnológicos, criando repertórios próprios e singulares de autoconstrução. Este artigo investiga um conjunto de práticas espaciais que geram transformações na paisagem periférica, com ênfase na “gambiarra urbana” como uma tática utilizada pelos moradores para adaptar e subverter seus espaços de vida com os meios materiais e técnicos disponíveis. Metodologicamente, propõe uma taxonomia de sete dispositivos táticos, a qual aponta padrões espaciais recorrentes e busca identificar ordens subjacentes à aparente desordem urbana nesses territórios. Como aproximação empírica, investiga o Conjunto de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, Brasil. Os resultados evidenciam uma lógica própria de organização e produção do espaço periférico, sustentada em acordos tácitos e disputas, e revelam a tênue linha entre formalidade e informalidade nesses territórios, nos quais a gambiarra atua na reconfiguração do espaço como forma simultânea de acomodação e resistência. O trabalho busca contribuir para os debates urbanos contemporâneos ao oferecer subsídios para a formulação de políticas públicas mais sensíveis às dinâmicas locais e às racionalidades populares que orientam a produção cotidiana do espaço periférico.
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